“Existe felicidade no mundo, Alec, mesmo que ela voe como um sonho. Mas no seu caso, ela passou longe. Como um estrela, fora da alcançe da toupeira. Não a “satisfação pela aprovação”, não louvor e avanço e conquista e poder, não submissão nem capitulação, mas o júbilo da fusão. Fundir o eu no próximo. Como uma ostra recebe um corpo estranho e é ferida por ele e o transforma em pérola, enquanto a água morna ao redor envolve tudo. Você jamais provou esta fusão, nem uma vez em sua vida. Quando o corpo é um instrumento musical nas mãos da alma. Quando o Outro e eu coabitamos e nos tornamos um único coral. E quando o gotejar da estalactite lentamente faz crescer a estalagmite até que ambas se tornem uma.
Pense, por exemplo, que são precisamente sete e dez de uma noite de verão em Jerusalém. As cadeias de colinas tocadas pelos raios do crepúsculo. A última luz começa a dissolver as linhas de pedra das ruas como se as despisse de sua petrificação. O som de uma flauta árabe sobe do uádi num gemido prolongado, além da alegria e da tristeza, como se a alma das montanhas tivesse saído para adormecer os corpos antes de partir para a jornada noturna. Ou duas horas mais tarde, quando surgem estrelas no céu do deserto de Judá e a silhueta do minarete ergue-se ereta entre as sombras dos casebres. Quando os seus dedos tocam o tecido do estofado áspero, e diante de uma janela uma oliveira de prata recebe uma dádiva de luz do abajur da mesa do quarto, e por um momento cessa o limite entre a ponta do dedo, e a coisa tocada e aquele que toca é o tocado e também o toque. O pão em sua mão, a colher de chá, o copo de chá, as coisas simples, mudas, são subitamente cobertas por uma tênue radiação primordial. Iluminadas de dentro de sua alma, e iluminadas de volta. A alegria do ser e sua simplicidade descem e cobrem tudo com o mistério das coisas que existiam antes da criação do conhecimento”
(Amós Oz, “A Caixa Preta”. Tradução Nancy Rozenchan. Cia. das Letras, 2007. p. 126-127).
Pense, por exemplo, que são precisamente sete e dez de uma noite de verão em Jerusalém. As cadeias de colinas tocadas pelos raios do crepúsculo. A última luz começa a dissolver as linhas de pedra das ruas como se as despisse de sua petrificação. O som de uma flauta árabe sobe do uádi num gemido prolongado, além da alegria e da tristeza, como se a alma das montanhas tivesse saído para adormecer os corpos antes de partir para a jornada noturna. Ou duas horas mais tarde, quando surgem estrelas no céu do deserto de Judá e a silhueta do minarete ergue-se ereta entre as sombras dos casebres. Quando os seus dedos tocam o tecido do estofado áspero, e diante de uma janela uma oliveira de prata recebe uma dádiva de luz do abajur da mesa do quarto, e por um momento cessa o limite entre a ponta do dedo, e a coisa tocada e aquele que toca é o tocado e também o toque. O pão em sua mão, a colher de chá, o copo de chá, as coisas simples, mudas, são subitamente cobertas por uma tênue radiação primordial. Iluminadas de dentro de sua alma, e iluminadas de volta. A alegria do ser e sua simplicidade descem e cobrem tudo com o mistério das coisas que existiam antes da criação do conhecimento”
(Amós Oz, “A Caixa Preta”. Tradução Nancy Rozenchan. Cia. das Letras, 2007. p. 126-127).
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