A rotina tem seus encantos

sexta-feira, abril 13, 2007

A CÂMARA CLARA – trecho parte 5 -
ROLAND BARTHES

“Pode ocorrer que eu seja olhado sem que eu saiba, e disso eu ainda não posso falar, já que decidi tomar como guia a consciência de minha comoção. Mas com muita freqüência (realmente muita, em minha opinião) fui fotografado sabendo disso. Ora, a partir do momento que me sinto olhado pela objetiva, tudo muda: ponho-me a “posar”, fabrico-me instantaneamente um outro corpo, metamorfoseio-me antecipadamente em imagem. Essa transformação é ativa: sinto que a Fotografia cria meu corpo ou o mortifica, a seu bel-prazer (...). Posando diante a objetiva (quero dizer: sabendo que estou posando, ainda que fugidiamente), não me arrisco tanto (pelo menos por enquanto). Sem dúvida, é metaforicamente que faço minha existência depender do fotógrafo. Mas essa dependência em vão procura ser imaginária (e do mais puro Imaginário), eu a vivo na busca de uma filiação incerta: uma imagem – minha imagem – vai nascer: vão me fazer nascer de um indivíduo antipático ou de um “sujeito distinto”? Se eu pudesse “sair” sobre o papel como cobre uma tela clássica, dotado de um ar nobre, pensativo, inteligente, etc.! Em suma, se eu pudesse ser “pintado” (por Ticiano) ou “desenhado” (por Clouet)! No entanto, como o que eu gostaria que fosse captado é uma textura moral fina, e não uma mímica, e como a fotografia é pouco sutil, salvo nos grandes retratistas, não sei como, do interior, agir sobre minha pele. Decido “deixar flutuar” em meus lábios e em meus olhos um leve sorriso, que eu gostaria que fosse “indefinível”, no qual eu daria a ler, ao mesmo tempo que as qualidades de minha natureza, a consciência divertida que tenho de todo o cerimonial fotográfico: presto-me ao jogo social, poso, sei disso, quero que vocês saibam, mas esse suplemento de mensagem não deve alterar em nada (para dizer a verdade, quadratura do círculo) a essência preciosa de meu indivíduo: o que sou, fora de toda efígie. Eu queria, em suma, que minha imagem, móbil, sacudida entre mil fotos variáveis, ao sabor das situações, das idades, coincidisse sempre com meu “eu” (profundo, como é sabido); mas é o contrário que é preciso dizer: sou “eu” que não coincido jamais com minha imagem; pois é a imagem que é pesada, imóvel, obstinada (por isso a sociedade se apóia nela), e sou “eu” que sou leve, dividido, disperso e que, como um ludião, não fico no lugar, agitando-me em meu frasco: ah, se ao menos a Fotografia pudesse me dar um corpo neutro, anatômico, um corpo que nada signifique! Infelizmente, estou condenado pela Fotografia, que pensa agir bem, a ter sempre uma cara: meu corpo jamais encontra seu grau zero, ninguém o dá a ele (talvez apenas minha mãe? Pois não é a indiferença que retira o peso da imagem – nada como uma foto “objetiva”, do tipo “Photomaton”, para fazer de você um indivíduo condenado, vigiado pela polícia – é o amor, o amor extremo).”

enviado por Dani Szwertszarf.