A rotina tem seus encantos

sexta-feira, setembro 14, 2007

O destino de nosso tempo, que se caracteriza pela racionalização, pela intelectualização e, sobretudo, pelo “desencantamento do mundo” levou os homens a banirem da vida pública os valores supremos e mais sublimes. Tais valores encontraram refúgio na transcendência da vida mística ou na fraternidade das relações diretas e recíprocas entre indivíduos isolados. Nada há de fortuito no fato de que a arte mais eminente de nosso tempo é íntima e não monumental, nem no fato de que, hoje em dia, só nos pequenos círculos comunitários, no contato de homem a homem, em pianíssimo, se encontra algo que poderia corresponder ao pneuma profético que abrasava comunidades antigas e as mantinha solidárias. Enquanto buscamos, a qualquer preço, “inventar” um novo estilo de arte monumental, somos levados a esses lamentáveis horrores que são os monumentos dos últimos anos. E enquanto tentarmos fabricar intelectualmente novas religiões, chegaremos, em nosso íntimo, na ausência de qualquer nova e autêntica profecia, a algo semelhante e que terá, para nossa alma, efeitos ainda mais desastrosos. As profecias que caem das cátedras universitárias não têm outro resultado senão o de dar lugar a seitas de fanáticos e jamais produzem comunidades verdadeiras. A quem não é capaz de suportar virilmente esse destino de nossa época, só cabe dar o conselho seguinte: volta em silêncio, sem dar a teu gesto a publicidade habitual dos renegados, com simplicidade e recolhimento, aos braços abertos e cheios de misericórdia das velhas Igrejas. Elas não tornarão penoso o retorno. De uma ou de outra maneira, quem retorna será inevitavelmente compelido a fazer o “sacrifício do intelecto”. E não serei eu quem o condene, se tiver, verdadeiramente, força para fazê-lo. Realmente aquele sacrifício, feito para dar-se incondicionalmente a uma religião, é moralmente superior a arte de fugir a um claro dever de probidade intelectual, que se põe quando não existe a coragem de enfrentar claramente as escolhas últimas, e se manifesta, em seu lugar, inclinação por consentir num relativismo precário. A meu ver, esse dom de si é mais louvável que todas as profecias de universitários incapazes de perceber claramente que, numa sala de aula, nenhuma virtude excede, em valor, a da probidade intelectual. Essa integridade nos compele a dizer que todos – e são numerosos – aqueles que, em nossos dias, vivem a espera de novos profetas e de novos salvadores se encontram na situação que se descreve na bela canção de exílio do guarda edomita, canção que foi incluída entre os oráculos de Isaías:

“Pergunta-me de Seir:
Vigia, que é da noite?
Vigia, que é da noite?

O vigia responde:

Vem a manhã e depois a noite.
Se quereis, interrogai,
Convertei-vos, voltai!”

O povo a quem essas palavras foram ditas não cessou de fazer a pergunta, de viver à espera há dois mil anos, e nós lhe conhecemos o destino perturbador. Aprendamos a lição! Nada se fez até agora com base apenas no fervor e na espera. È preciso agir de outro modo, entregar-se ao trabalho e responder às exigências de cada dia – tanto no campo da vida comum, como no campo da vocação. Esse trabalho será simples e fácil, se cada qual encontrar e obedecer ao demônio que tece as teias de sua vida.

Max Weber, “A Ciência como Vocação” [1918]. Tradução de Leônidas Hegenberg e Octany Silveira da Mota. São Paulo: Ed. Cultrix.