A rotina tem seus encantos

quinta-feira, fevereiro 22, 2007

Sobre o vídeo resistente

Uma palavra que vem me assolando, ou talvez abrindo os meu olhos para uma certa maneira de ver/entender a vida nos últimos tempos, veio a dar o nome desta oficina: RESISTÊNCIA. Porque essa palavra é tão importante? É uma palavra que está completamente fora de moda e há muito tempo não vem sendo tratada como ela merece. Eu posso falar por mim mesmo que há poucos meses atrás certamente não estaria vendo o trabalho que eu faço como modo de resistência.
Na verdade, eu passei a adolescência toda para entender que era ingenuidade, e até burrice, acreditar numa revolução. A desilusão, provinda de uma reação à falha de uma revolução cultural e política que supostamente teria acontecido em 1968, era a única possibilidade, e a única maneira razoável de entender o que havia acontecido com aquela revolução (revoluções) e com as pessoas que dela haviam participado. Por isso, um mundo sem utopias e sem crença. É claro que essa espécie de niilismo não dura, pois precisamos acreditar em alguma coisa senão o sentido de estar vivo desaparece. Passei então a acreditar no ato de criação e na criação em si (a obra de arte) que ao meu ver era a única na qual eu podia confiar inteiramente meus esforços e dar a minha cara a tapa que ela nunca me decepcionaria e nem me abandonaria. Uma relação de amor se estabeleceu. E, realmente, eu acho que posso dizer que toda a minha obra é sobre o ato de criação e a relação obsessiva que eu tenho com esse momento: arte que fala sobre o fazer arte. Daí o fascínio por Duchamp.
O lado bom disso tudo é que eu realmente amo o que eu faço. O lado ruim é que eu me afastei e me isolei não fazendo caso das relações políticas que estavam ao meu redor. Já fui chamado de burguês do Leblon que precisava conhecer a tijuca. Já disseram que eu deveria comer mais feijão. Já disseram que meus filmes com o Ricardo deveriam ter músicas brasileiras. E certamente já falaram muito mais. Esses comentários são reações naturais ao que a gente pode dizer que são filmes (vídeos) voltados para o próprio umbigo. Mas que umbigo é esse? É o meu, é o do Ricardo e é de quem quer que o seja. É bem claro que o que vemos no outro é sempre a partir de nós mesmos, da nossa vontade e da nossa capacidade de ver/entender o que vemos/entendemos. Um amigo meu disse que a primeira vez que ele viu um filme dos irmãos Pretti ele viu que era possível o que ele antes considerava impossível. O que existe, e isso é inegável, é uma vontade incontrolável de fazer os vídeos. Então foi o que fiz. Vídeo atrás de vídeo desde os 16 anos de idade. Primeiro com uma câmera vhs, depois com uma hi-8, depois uma mini-dv e hoje com uma hdv. Foram tantos vídeos feitos que eu já perdi a conta, mas todos eles por mais ruim que fossem foram feitos com muito amor.
O que eu não entendia antes que agora eu entendo é que sempre existiu uma crença política enorme nesses vídeos todos. Uma crença num estilo de vida que é extremamente subversivo quando consideramos a mediocrização total da nossa burguesia e o medo imenso de fazer qualquer coisa que esteja fora dos padrões aceitáveis do senso comum. Eu que venho do Rio de Janeiro sei que o que todos querem lá é se estabelecer dentro do que já é estabelecido. Assim fica impossível que o que chamamos de arte respire para ganhar novo fôlego. Por isso eu posso dizer que o que eu faço é uma resistência. Eu resisto contra o medo e os meus vídeos são uma prova dessa resistência.
Agora nos resta tomar consciência do que é e pensar o que é um vídeo resistente.

Luiz Pretti
Vídeo Resistente

Qual é a importância de uma câmera mini-dv nas nossas vidas?

O olhar, agora mais do que nunca, se aliou ao pensar. Perceber com o olho e com o ouvido é uma forma de pensar. O vídeo, antes de ser uma nova forma de representação, é uma nova forma de pensar (deixo aqui de lado a palavra cinema em prol de uma nova postura, assim como Bresson preferiu usar a palavra cinematógrafo, eu resolvi usar a palavra vídeo, mesmo sabendo das difíceis consequências dessa palavra). Penso, logo existo; ou, penso, logo faço vídeo. O vídeo antes de ser uma (vontade de) linguagem, é uma realidade, a do pensar. E pensar é fazer poesia, é atingir o inatingível, é dizer o indizível, é poder respirar perante todas as contradições do mundo e fazer o que ninguém jamais ousou, é viver só como você pode viver, é resistir.

O vídeo é uma extensão da minha mente e em minha vida está inserido, é produção auto-crítica e transformadora da minha pessoa. É a reeducação pelo vídeo.

Como se colocar diante dessas novas possibilidades?

Uma imagem não deve querer dizer nada porque ela deve ser tão ampla quanto a própria vida. Uma imagem não deve se reduzir a si mesma, ela deve sugerir outros mundos que não o dela mesma. O nosso papel é tentar captar (registrar) esse movimento, devemos ser rigorosos e não apelar para soluções fáceis, tudo está aberto e é por isso que devemos ter o máximo de concentração e a habilidade para condensar (dichten = condensare: Ezra Pound).
A espontaneidade do vídeo leva a crer num fim do artesanato, mas o que acontece não é isso, a pessoa que trabalha com vídeo é, de certa forma, um alquimista, mas que trabalha com novos ingredientes.

Pra mim, um dos grandes papéis da arte é aprofundar a nossa visão sobre a realidade e intensificar a idéia de que nós pertencemos a alguma coisa, e que nem tudo é sem sentido, apesar de incerto. Estamos num mundo cada vez mais destituído de princípios, cada vez mais reduzido a uma condição miserável, e precisamos voltar a acreditar em alguma coisa que não seja a lógica do dinheiro, talvez a lógica do desejo, e é pra isso que o vídeo está aqui, como instrumento de resistência.

Por que o vídeo?

O vídeo não é nenhuma entidade divina que deve ser idolatrada. É só mais um avanço tecnológico-mecânico. O importante é como nós percebemos e não como o vídeo percebe (vide a diferença de exemplos no trabalho com o vídeo: Pedro Costa e Abbas Kiarostami, ou Nobuhiro Suwa e Lars Von Trier). O vídeo se insere na história do cinema e devemos estar atento a isso, o vídeo é uma confirmação da história do cinema (vide os exemplos que eu dei em cima).

Termino aqui com uma frase do Godard: Um olhar nunca é profundo. O que é profundo é a extensão, a extensão de uma relação precisa entre o desconhecido e o conhecido. Pensar.
voz off de Comment ça va, Godard-Miéville

E uma do Murnau pra fazer pensar: "Real art is simple, but simplicity requires the greatest art."

Ricardo Pretti

domingo, fevereiro 11, 2007

Poema de rua,
cauda de estranho, poema de café expresso,
sem saudades. Rascunho sem melindres, sem ataques.
Breve receio de não ser.
Poema de cumprir tabela, poema vil – vil e chato –
incontinência de poeta. Não-poema de teu rastro.


Sérgio Lohmann Couri.

terça-feira, fevereiro 06, 2007

continue procurando

não está nas salas de aula, ou nos bares de arredores. não está no bolso do poeta, ou na outra cor do camaleão. não está nas bochechas vermelhas, ou na vergonha do beijo traído pelas varejeiras da paixão. não está nas luzes do sucesso imediato – inanimado – anonimato, ou na vala do esquecimento saudável por pontos de audiência.

não está em gravatas coloridas sob encomenda, ou em calças milimetricamente rasgadas para quem quiser acreditar em fadas, feitas com trapos do que sobrou da bandeira. não está nos salões lotados de dança e fumaça e morte cronometrada em sorrisos felizes mais fáceis do que admitir, ou na azeitona do copo de martini seco do velho e pobre cantor de tango que esqueceu a dentadura em casa mas continua mais elegante do que você e eu.

não está no mais novo gênio do último momento, que passou e terminou sem que ele mesmo soubesse, porque nunca soube de fato, muito preocupado com o corte de cabelo de sua mais nova criação. não está nos versos sobre ondas preguiçosas, ou no pôr-do-sol assassinado pelo frio de uma rosa morta.

não está na mala do carteiro simpático e triste, ou no mesmo antigo caos do dia seguinte. não está nas listas telefônicas, ou nos dedos entre os cabelos embaraçados que assim ficam menos românticos do que se suporia se antes de amar fosse possível entender. não está nos direitos humanos, ou à esquerda do contratempo. não está na velha vestida com listras na frente do restaurante chinês, ou no camarada com sorriso canastra que traça a puta da novela das seis.
não está na bússola do náufrago atacado pelo escorbuto, ou na próstata do câncer letrado em dedos falseados de conhecimento histórico no queixo diante de mais uma pintura social. não está nos hinos dos patriotas, tampouco nos cânticos ecumênicos sob as saias eretas dos sodomitas de alma pelada que não tiveram infância e por isso precisam fodê-la enquanto choram de culpa. não está nas orgias auto-afirmativas em gritos transgressores de sereno desespero, ou nas serestas mudas sob a chuva ácida da usina.

não está no sujeito sem futuro com o rádio de pilha na orelha surda, ou no que diz o rádio sob a forma de ondas paralíticas, para quem pensa que tem um futuro – e ele passou enquanto se pensava sobre. não está na luta de classes pelo poder maior, ou nas desavenças embriagadas pelo ego menor. não está em hierarquias que estabelecem cicatrizes nos rostos sujos de lama, ou nos frutos podres feitos de papel timbrado na gaveta de uma repartição superfaturada.

não está na gaivota cansada que mergulhou fundo e não encontrou o peixe, ou no peixe que fugiu da gaivota cansada e foi engolido por um tubarão. não está na menina com mau hálito que me olha e não gosta do que vê, ou na outra, de cintura abaloada, que diz à amiga que detesta comida japonesa – pelo que a amo.

não está na menina de dentes separados que lê meus papéis e pede um sexo rápido – pelo que a amo e descubro o quão simples é amar, sem que ela saiba no entanto como, muito menos eu, sem que ela esteja aqui de fato, simplesmente porque amar pode ser fácil, mas tente fazê-lo fato e você vai ver uma coisa.

é um exercício saudável, depois de todas as bebedeiras, de todas as mortes instantâneas pela cruz do tempo, das amarguras escondidas por trás de sorrisos amarelados na fila do caixa rápido, dos corações ainda quentes abandonados sob a chuva forte, das razões perdidas em minutos de vida
pura, que te matam, porque assim manda o estado de direito, é importante, depois de toda beleza que se esvaiu em lágrimas, perguntar a si mesmo onde não está.

e quando te gritarem – achei! não te assustes nem te afugentes. apenas sorria e ignore. não está ali também. mas um pouco de delicadeza nunca é dispensável quando se pode matar com as próprias mãos.
e então, talvez um dia, quem sabe hoje, quem sabe agora, enquanto lá fora voa um passarinho na direção do predador, ou no dia em que, honestamente, soubermos identificar todos os lugares onde não está, saberemos por fim o que procurar.
Leo Marona.