A rotina tem seus encantos

segunda-feira, abril 30, 2007

Medo do abandono


Todo o problema sobrevém
quando deixas de acreditar
nas palavras.

Ele então se vira, um bicho assola
seu rosto, carcomendo pelo corpo
as margens do homem
- dispersa pelo ar suas fantasias vestidas de sentido.

Quer outra flor.

Muitos ouvidos abstraem essa voz - busca
o berro que sussurra no sol
do
despertar.

Embrutecer o nome da palavra
Leva a Noite-de-Sonos-Intraqüilos – a distender o
tempo numa cobra venenosa que

erguida
olhando-me
estátua

enrosca-se na espiral desta decadência até o
fundo-infindar da máscara soterrada no meu
ventre.

Arranca a minha pele
indiferente à morte.


Ela perde-se nos bosques onde só me encontro
perdida. Aqui marco meus passos. Pegadas desta vida.
Aqui invento este lugar nenhum. Me julgo a liberta.

E foi liberta que levei-me a escrever o segundo poema
de nome “arte pelo sufocamento”.

A luz no fundo do abismo
oscila
não há saída pela porta
de entrada.

Ensombrece à velocidade da indiferença.

Quando enfim cessar,
Quando tudo parar de brilhar
Quando teu dia tornar-se quatro
Blocos desabando um sobre o outro
O bloco escuro da noite sobre a tarde,
Amarga, sobre a manhã, madrugada, este
dégradé de esperança e morte, cinza, azul e amarelo.

E toda a nossa vida, girando
torta, tudo vivo, cindido e feio.

O asco dói na saliva.
O vôo vomita a entranha.
Suportamos o insuportável.


E, ainda por cima,
o mais horrível dos castigos está sempre à minha espera.
Ama-me
como ninguém.

(daniela szwertszarf)

quinta-feira, abril 26, 2007

"aviso da balada do café triste".

dedicado à alma de Carson McCullers

o firme silêncio
de uma carta
sem paixão
foi interrompido
enquanto a moça
embebedava
palavras no papel.

CATAPLOFT!

um livro pesado
caiu no chão
como para lembrar
que há tanto perigo
em palavras embriagadas
quanto nas mentiras
de uma carta sem paixão.

Leo Marona.

quarta-feira, abril 25, 2007

Uivo agudo

Encontre a voz desta
poesia
submersa
num nível de delicadeza
insuportável.

Violenta-se para fora atravessando cortinas
de sangue endurecido até o circular desimpedido
quando renasce o corpo todo no frescor do
querer viver tudo novamente-novo

ela põe-se por baixo
elevando
o que não vem de si –
ela se cratera.

Tufões de clareza.
É súbito ver.

Banham-na todos os amores
findos.
A ponta do dedo toca, anima,
a mancha suspensa da lembrança.
Ela dá-se toda,
e depois deságua gélida.


Enfrenta-me em avalanche o rio das friezas consentidas.


Reguei-me do que fui renegada.
Nasceram, portanto,
bolsas
de carinho-extrapolar.
Serão para sempre sementes.
Árvores oníricas
dilapidadas.
Fim e início de si.


Erram rastros sensações pelo corpo.
Foi impreciso navegar no instante.
O passado é um passar-passará
brotando
à luz da pele.


Amo este finito intenso.
Sentir tudo é o único refúgio
que temos.


(daniela szwertszarf)

sábado, abril 21, 2007

A hora da poesia


No esgotamento dos minutos em que caminho
descompasso.

Ir não foi.
Arritmo - me
alinho.

(dispara sempre, coração)

Horas afogadas na flor.
Nada é tempo.
É vermelho.

Gasto ruínas
que decaem
orvalhadas, orvalhadas de sussurros
Escavo o onde.
Escavo convexos
no externo
do sentido.
Recôncavos a desdizer,
contradigo.

Reverencio
as pétalas
enterradas
no meu
peito.

Por elas imploro a morte, no casulo
pesadelo, encontrá-las pétalas, onde todos toques faltam, uivam os espectros
dos segredos
a margem da lucidez é um delírio entrechocante de ondas
revoltas
temo ser esta sombria imensa
Compacta,
cercando detalhes de pequena luz, matando-os com meu cancro
em descontrole, respingando
vermes remoídos sobre
o pouco
que restava puro.
Ser este erro crucial
Que se anula, derrame hipnótico, me
Maldiz, essa histeria desfigurada estraga todo o acabamento

Formal
Em que tanto
Me debatia.


Botões de tempo esgotados.


Tratemo-nos
como doentes.

(calma, brinco um pouco,
Brincadeiras de silêncio
Nos arredores do caos.)

É macio retroceder na vida.

Quebra-me
Esta tensão de nos querer.


(daniela szwertszarf)

sexta-feira, abril 20, 2007

Pássaro.

O Mesmo Mar, Amós Oz.


Nádia Danon. Pouco antes de morrer, um pássaro
Num ramo de árvore a acordou.
Às quatro da manhã, antes de clarear o dia, narimi
Narimi, disse o pássaro. Acorda, acorda.

O que serei eu depois que morrer? Um som, um aroma,
Ou nada. Comecei uma toalhinha.
Talvez ainda termine. O doutor Salatiel está otimista: o quadro é
Estável, diz. Talvez o esquerdo
Esteja um pouquinho menos bem. O direito está ótimo. As
Radiografias são bem nítidas. A senhora pode ver: não se nota nenhuma
ramificação.

Às quatro da manhã, antes de o dia clarear, Nádia Danon
Começa a recordar. Queijo de ovelha. Copo de vinho.
Cacho de uvas. O cheiro da tarde lenta nas colinas de Creta,
O gosto da água fria, o sussurro dos pinheiros, a sombra das
Montanhas
Cai sobre toda a planície, narimi
Narimi, cantou o pássaro. Vou me sentar e bordar. Antes do
amanhecer eu termino.

enviado por João.

quarta-feira, abril 18, 2007

“fora daqui”

pais, urge que expulsem
suas crianças de casa.

é uma questão de amor e morte.

escorracem seus sonhos monossilábicos,
deixem-nas correr do próprio inverno,
permitam que a morte as olhe de perto
dia e noite com carrosséis sem música.

só não as mate pelo amor de menos,
que não foi possível no tempo apto.

elas são fortes, suportarão, intactas
em sua fonte firme de riqueza quebradiça,
banhadas da própria dor no doce parto.

a primeira maldade fez do amor ato impuro,
a segunda egoísmo e a terceira eternidade.

e todas as crianças sobrepujadas são santas,
e todas as pudicas são escravos paralíticos.

deixem-nas colher seus olhos híbridos
no beco escuro aonde lobos espreitam.

deixem-nas morrer por toda a vida –
não minha ou sua – mas por inteiro,
pois só há vida onde existe o medo.

Leo Marona.
Magnânimo

À flor da boca, a palavra
É dura na demora.
Pedra na garganta
Que se esfarela.

Me fazes
uma
pergunta.

Ao fundo deserto, emerge
flama, chama meu nome (Dani, Dani)
querendo-se, querendo-se
Ela me lambe como tinta de caneta
no papel.

Se perdurar em ondas, no som
da tua boca, teu sonho som de poesia
da outra
ela me redime
(vôo de nudez e silêncio)
porque muda
nasci.

E se tu me ouvires
Nest’outra voz, neste pássaro veloz
Que me canta, na ferida deste pulmão frouxo
que me lembra, é que eu me emaranho como rede
sobre o inalcançável-
desejo-
ausência-

E porque enfim me repele
Sempre já estive calada.

O gosto da palavra
é seco, é magro.
Mais que uma sede,
Mais que uma fome.

A palavra é mais rala que o incorpóreo.

(daniela szwertszarf)

sexta-feira, abril 13, 2007

A CÂMARA CLARA – trecho parte 5 -
ROLAND BARTHES

“Pode ocorrer que eu seja olhado sem que eu saiba, e disso eu ainda não posso falar, já que decidi tomar como guia a consciência de minha comoção. Mas com muita freqüência (realmente muita, em minha opinião) fui fotografado sabendo disso. Ora, a partir do momento que me sinto olhado pela objetiva, tudo muda: ponho-me a “posar”, fabrico-me instantaneamente um outro corpo, metamorfoseio-me antecipadamente em imagem. Essa transformação é ativa: sinto que a Fotografia cria meu corpo ou o mortifica, a seu bel-prazer (...). Posando diante a objetiva (quero dizer: sabendo que estou posando, ainda que fugidiamente), não me arrisco tanto (pelo menos por enquanto). Sem dúvida, é metaforicamente que faço minha existência depender do fotógrafo. Mas essa dependência em vão procura ser imaginária (e do mais puro Imaginário), eu a vivo na busca de uma filiação incerta: uma imagem – minha imagem – vai nascer: vão me fazer nascer de um indivíduo antipático ou de um “sujeito distinto”? Se eu pudesse “sair” sobre o papel como cobre uma tela clássica, dotado de um ar nobre, pensativo, inteligente, etc.! Em suma, se eu pudesse ser “pintado” (por Ticiano) ou “desenhado” (por Clouet)! No entanto, como o que eu gostaria que fosse captado é uma textura moral fina, e não uma mímica, e como a fotografia é pouco sutil, salvo nos grandes retratistas, não sei como, do interior, agir sobre minha pele. Decido “deixar flutuar” em meus lábios e em meus olhos um leve sorriso, que eu gostaria que fosse “indefinível”, no qual eu daria a ler, ao mesmo tempo que as qualidades de minha natureza, a consciência divertida que tenho de todo o cerimonial fotográfico: presto-me ao jogo social, poso, sei disso, quero que vocês saibam, mas esse suplemento de mensagem não deve alterar em nada (para dizer a verdade, quadratura do círculo) a essência preciosa de meu indivíduo: o que sou, fora de toda efígie. Eu queria, em suma, que minha imagem, móbil, sacudida entre mil fotos variáveis, ao sabor das situações, das idades, coincidisse sempre com meu “eu” (profundo, como é sabido); mas é o contrário que é preciso dizer: sou “eu” que não coincido jamais com minha imagem; pois é a imagem que é pesada, imóvel, obstinada (por isso a sociedade se apóia nela), e sou “eu” que sou leve, dividido, disperso e que, como um ludião, não fico no lugar, agitando-me em meu frasco: ah, se ao menos a Fotografia pudesse me dar um corpo neutro, anatômico, um corpo que nada signifique! Infelizmente, estou condenado pela Fotografia, que pensa agir bem, a ter sempre uma cara: meu corpo jamais encontra seu grau zero, ninguém o dá a ele (talvez apenas minha mãe? Pois não é a indiferença que retira o peso da imagem – nada como uma foto “objetiva”, do tipo “Photomaton”, para fazer de você um indivíduo condenado, vigiado pela polícia – é o amor, o amor extremo).”

enviado por Dani Szwertszarf.
“Posto 9”

O resto deve ser reduzido pouco a pouco, leio no final do meu horóscopo do dia, e a mulher comigo diz que “são todos embaralhados e sorteados pelos piores estagiários, os horóscopos do dia”, e de fato olho para ela e penso como é estranha a expressão “a mulher comigo”, enquanto atrás de mim toca um telefone, tocam vários telefones, e ouço palavras numa língua que não conheço, parecem altas as palavras, mas são muitas e, desconexas, todas começam como terminam, mas aparentemente só a mim incomodam, pelo que me viro para trás e vejo um sujeito atlético, de uns 50 anos, mas que fala como se tivesse 15, discutindo em termos baixíssimos com outro sujeito de uns 50 anos, mas que aparenta 70, os dois discutem e fumam cigarros de maconha, que parecem surgir da areia como esfinges não-poéticas, tais quais as mulheres desesperadas, que sorriem e lêem Rosamunde Pilcher, ou como o negro pobre retirante nordestino, que há milhares de anos, talvez mais, nos oferece algo para beber - e os gritos se atrasam para mais uma revolução, enquanto leitores de Zuenir Ventura e Deleuze aplaudem o pôr-do-sol.
Leo Marona.

segunda-feira, abril 02, 2007

Tinha que cortar, sim. Cortar o peito no meio, matar-abrir, tinha que
deixar a faca entrar. Junto com a faca entrava aquele sentimento doido-
doído. Fazendo logo carrossel. Já tinha aprendido, tinha mais era que
não saber, viver bem dentro lá do não saber, flutuando, de não deixar
ninguém dizer que isso, que aquilo, porque o nome da sua vida, não era
vida não, era lambarvorida, mesmo que ninguém nunca ouvisse, até que
alguns ouviam, chovem purpurinas no segredo das estrelas, de ninguém
nunca saber, elas só brilham.

(szwertszarf)